Gabriela Vitória da Silva, de 7 anos, moradora de Bangu, é uma menina estudiosa que gosta de matemática e sonha ser médica pediatra, quando crescer. Mas nos últimos dias perdeu o interesse de ir para a escola. Tudo começou quando um coleguinha de turma, com a mesma idade dela, a chamou de "macaca preta", em sala de aula. Sem entender muito bem que estava sendo vítima de uma ofensa racial, a reação da menina foi se trancar no banheiro e chorar. Também passou a inventar desculpas para não ir mais para o colégio.
— Me senti triste e desinteressada (das aulas). Me tranquei no banheiro e chorei — relatou a aluna do 2° ano do ensino fundamental da Escola Municipal Antônio Austregésilo, em Bangu.
A mãe da menina, a auxiliar administrativo, Glaucia da Silva, de 40 anos, disse que só tomou conhecimento da ofensa racista sofrida pela filha no último dia 18. Mas, acredita que o caso tenha acontecido pelo menos um mês antes. Também, segundo ela, somente naquele dia o caso chegou ao conhecimento da direção da escola, por meio de outro coleguinha da menina que denunciou a situação.
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— Ela andava muito triste e chorava quando começava a se arrumar para ir à escola. Nessas horas inventava sempre uma desculpa pra ficar em casa. Um dia dizia que era dor de barriga e no outro pedia simplesmente para ficar em casa. Ela deu vários sinais. Eu é que demorei a perceber.
Glaucia disse que a menina só relatou o ocorrido quando, por curiosidade quis saber da mãe o que era uma ata. Ela respondeu que era um relatório onde são relacionados todos os assuntos tratados numa reunião e a menina disse então que o nome do coleguinha que a ofendeu tinha ido parar na ata da escola. Só aí a garota se abriu com a mãe e contou o que tinha se passado.
A mãe conta que na mesma hora procurou a professora que respondeu com um áudio longo, que ela não teve paciência para ouvir até o fim, e por meio de uma mensagem de texto que a deixou ainda mais irritada. "Imagino a sua dor, inclusive semana passada falei superficialmente sobre a história do Brasil e que nós não somos um povo puro, mas de sangue misturado. Pois uns são de pele mais escura, outros são com a cor mais clara. Eu chamei a atenção dele! Eu falei com ele por que ele estava fazendo isso? Que cor ele tem? Pra ficar chamando a Gabriela de Macaco ou Preta. Eu falei: 'Você é um pouco mais claro que Gabriela. Por que faz isso?'”. Para Glaucia, a fala da professora também foi racista.
— Quer dizer que se o menino fosse branco ele poderia falar aquilo? — questionou.
Dois dias depois que o assunto veio à tona, a mãe foi na escola conversar com o diretor, que prometeu mudar a menina de turma e de professora. A aluna, que não foi mais obrigada pela mãe a ir à escola após o ocorrido só vai voltar a frequentar a escola a partir da próxima terça-feira.
Glaucia disse que não ficou chateada com a criança que ofendeu sua filha, por acreditar que na verdade se trata de uma vítima de uma educação preconceituosa que recebeu em casa. Também não pretende tomar nenhuma medida judicial contra a professora ou a escola. Quer apenas dar bastante publicidade ao caso, para que outras crianças não passem pelo mesmo que a sua filha.
— Nunca achei que uma situação de racismo fosse chegar tão cedo na vida da minha filha. Eu mesma só fui passar por isso recentemente, com quase 40 anos, porque não dava muita abertura para esse tipo de coisa acontecer comigo.
A auxiliar administrativo disse ainda temer os reflexos que esse tipo de coisa possa ter na cabeça de sua filha. Ela contou que pretende levar a menina para uma consulta aí psicólogo, para ajudar a recuperar a autoestima e confiança.
Para a especialista em relações raciais negra e educação, Waldinéia Teles Pereira, o racismo causa traumas. Na sua opinião, a escola, depois da família e da vizinhança é o lugar onde mais produz e fortalece as desigualdades raciais. Mas, também pode contribuir para implementação de práticas antirracistas.
— A escola pode combater o racismo promovendo uma representação de igualdade e equidade da população negra, ou seja, utilizando a literatura infantil e uma linguagem letrada racialmente. Também é importante conversar com as crianças sobre o uso de alguns termos, algumas palavras e expressões. A família ajuda também indo à escola e pontuando como é a vivência dessa criança racialmente, além de (no caso da escola) valorizar a negritude e conversar com as duas famílias, não só a da vítima. A do abusador também precisa ser acolhida e trazida para a reflexão (sobre racismo) — apontou a especialista.
Waldinéia, que é também produtora de conteúdo da Rede de Professores Antirracistas, acha que a fala da professora — na resposta à mãe por mensagem — foi infeliz:
— O posicionamento da professora fortalece o desconhecimento de um passado de letramento racial. e descumprimento das Leis 10.639 e 11.645, criadas para promover esse conhecimento da história da África, de africanos e descendentes no que diz respeito à literatura, geografia e áreas afins, pontuando todas as contribuições da população negra. Essa professora não compreende o papel dela numa possibilidade de ser antirracista. Mas uma vez a escola se omite e reproduz práticas racistas — disse.
A direção da escola foi procurada pelo EXTRA, mas preferiu não se manifestar. À mãe, o diretor enviou essa semana uma mensagem informando que estava entrando de férias, mas que havia deixado tudo encaminhado com sua adjunta e com o coordenador pedagógico. Também informava a nova turma e nome da nova professora da menina. Por fim oferecia apoio psicológico para a aluna, com profissionais do Programa Interdisciplinar de Apoio às Escolas (Proinape).
Já a Secretaria Municipal de Educação respondeu que não compactua com atitudes racistas na comunidade escolar, e que está instaurando uma sindicância para apurar os fatos e que se solidariza com a aluna e sua família. Informou ainda que na pasta há uma área atuante no combate ao racismo que já capacitou 3.600 professores.
Veja a íntegra da nota da SME:
"A Secretaria Municipal de Educação não compactua com atitudes racistas na comunidade escolar, nem com qualquer tipo de preconceito. A SME está instaurando processo de sindicância para apuração dos fatos e se solidariza com a estudante e sua família.
A SME tem uma área atuante no combate ao racismo e da educação através da igualdade racial, a Gerência de Relações Étnico Raciais. A GERER já realizou mais de 10 mil atendimentos e são mais de 3.600 professores capacitados com formações. Além de já estar atuando no território com orientações pedagógicas para os gestores escolares."
Postado por Redação
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